sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Artigo de SandraCavalcanti/Senador Camata (Pate I)

Segunda-Feira, 29 de Dezembro de 2008 Pobres alunos, brancos e pobres...Sandra CavalcantiEntre as lembranças de minha vida, destaco a alegria de lecionar Portuguêse Literatura no Instituto de Educação, no Rio. Começávamos nossa lida,pontualmente, às 7h15. Sala cheia, as alunas de blusa branca engomada, saiaazul, cabelos arrumados. Eram jovens de todas as camadas. Filhas deprofissionais liberais, de militares, de professores, de empresários, demodestíssimos comerciários e bancários.Elas compunham um quadro muito equilibrado. Negras, mulatas, bem escuras ouclaras, judias, filhas de libaneses e turcos, algumas com ascendênciajaponesa e várias nortistas com a inconfundível mistura de sangue indígena.As brancas também eram diferentes. Umas tinham ares lusos, outras pareciamitalianas. Enfim, um pequeno Brasil em cada sala.Todas estavam ali por mérito! O concurso para entrar no Instituto deEducação era famoso pelo rigor e pelo alto nível de exigências. Na verdade,era um concurso para a carreira de magistério do primeiro grau, comnomeação garantida ao fim dos sete anos.Nunca, jamais, em qualquer tempo, alguma delas teve esse direito,conseguido por mérito, contestado por conta da cor de sua pele! Essaestapafúrdia discriminação nunca passou pela cabeça de nenhum político,nemmesmo quando o País viveu os difíceis tempos do governo autoritário.Estes dias compareci aos festejos de uma de minhas turmas, numa linda missana antiga Sé, já completamente restaurada e deslumbrante. Eram os 50 anosda formatura delas! Lá estavam as minhas normalistas, agora alegressenhoras, muitas vovós, algumas aposentadas, outras ainda não. Lá estavamelas, muito felizes. Lindas mulatas de olhos verdes. Brancas de cabelospintados de louro. Negras elegantérrimas, esguias e belas. Judias comaquele ruivo típico. E as nortistas, com seu jeito de índias. Na minhaopinião, as mais bem conservadas. Lá pelas tantas, a conversa recaiu sobreessa escandalosa mania de cotas raciais. Todas contra! Como experimentadasprofessoras, fizeram a análise certa. Estabelecer igualdade com base na corda pele? A raiz do problema é bem outra. Onde é que já se viu isso? Semelhorassem de fato as condições de trabalho do ensino de primeiro esegundo graus na rede pública, ninguém estaria pleiteando esse absurdo.Uma das minhas alunas hoje é titular na Uerj. Outra é desembargadora.Várias são ainda diretoras de escola. Duas promotoras. As cores, muitas. Asbrancas não parecem arianas. Nem se pode dizer que todas as mulatas sãonegras. Afinal, o Brasil é assim. A nossa mestiçagem aconteceu. O País nãotem dialetos, falamos todos a mesma língua. Não há repressão religiosa. AConstituição determina que todos são iguais perante a lei, sem distinçãodenenhuma natureza! Portanto, é inconstitucional querer separar brasileirospela cor da pele. Isso é racismo! E racismo é crime inafiançável eimprescritível. Perguntei: qual é o problema, então? É simples, mas édifícil.A população pobre do País não está tendo governos capazes de diminuir adistância econômica entre ela e os mais ricos. Com isso se instala adesigualdade na hora da largada. Os mais ricos estudam em colégiosparticulares caros. Fazem cursinhos caros. Passam nos vestibulares para asuniversidades públicas e estudam de graça, isto é, à custa dos impostospagos pelos brasileiros, ricos e pobres. Os mais pobres estudam em escolaspúblicas, sempre tratadas como investimentos secundários, mal instaladas,mal equipadas, malcuidadas, com magistério mal pago e sem estímulos.Quem viveu no governo Carlos Lacerda se lembra ainda de como o magistériopúblico do ensino básico era bem considerado, respeitado e remunerado.Hoje, com a cidade do Rio de Janeiro devastada após a administração deLeonel Brizola, com suas favelas e seus moradores entregues ao tráfico e àcorrupção, e com a visão equivocada de que um sistema de ensino depende deprédios e de arquitetos, nunca a educação dos mais pobres caiu a um níveltão baixo.Achar que os únicos prejudicados por esta visão populista do processoeducativo são os negros é uma farsa. Não é verdade. Todos os pobres sãoprejudicados: os brancos pobres, os negros pobres, os mulatos pobres, osjudeus pobres, os índios pobres!Quem quiser sanar esta injustiça deve pensar na população pobre do País,não na cor da pele dos alunos. Tratem de investir de verdade no ensinopúblico básico. Melhorar o nível do magistério. Retornar aos cursosnormais. Acabar com essa história de exigir diploma de curso de Pedagogiapara ensinar no primeiro grau. Pagar de forma justa aos professores, deacordo com o grau de dificuldades reais que eles têm de enfrentar para daras suas aulas. Nada pode ser sovieticamente uniformizado. Não dá.Para aflição nossa, o projeto que o Senado vai discutir é um barbaridade doponto de vista constitucional, além de errar o alvo. Se desejam que osalunos pobres, de todos os matizes, disputem em condições de igualdade comos ricos, melhorem a qualidade do ensino público. Economizem os gastos empropaganda. Cortem as mordomias federais, as estaduais e as municipais.Impeçam a corrupção. Invistam nos professores e nas escolas públicas deensino básico.O exemplo do esporte está aí: já viram algum jovem atleta, corredor, negroou não, bem alimentado, bem treinado e bem qualificado, precisar que lhedêem distâncias menores e coloquem a fita de chegada mais perto? É claroque não. É na largada que se consagra a igualdade. Os pobres precisam deigualdade de condições na largada. Foi isso o que as minhas normalistas medisseram na festa dos seus 50 anos de magistério! Com elas foi assim. Sandra Cavalcanti, professora, jornalista, foi deputada federalconstituinte, secretária de Serviços Sociais no governo Carlos Lacerda,fundou e presidiu o BNH no governo Castelo Branco. E-mail: sandra_c@ig.com.br Camata protesta contra cartilha que ensina usuário a drogar-se.(transcrição/original)

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