segunda-feira, 16 de novembro de 2009

FIQUE SABENDO!

Calada noite preta:
Ausência de energia elétrica moldava comportamentos e vida pública no Rio de Janeiro dos séculos 18 e 19. Estava assistindo à TV quando começou o apagão recente. Esse apagão do século 21 mostrou que a construção cosmopolita urbana é uma realidade muito tênue, que desmorona a qualquer momento em razão até de um raio, segundo o ministro Lobão [Minas e Energia]!
Enquanto criança, a escuridão era vivida com naturalidade; agora, adulto, na cidade do Rio de Janeiro, fui tomado pelo temor de estar isolado do mundo. Sem TV, sem rádio, sem telefone e sem possibilidade de conversar com os vizinhos por não ter elevador e pelo desafio da escadaria escura. Estava isolado nas alturas da tecnologia e cercado de aparelhos inúteis. Retroagi ao Rio de Janeiro antes da luz elétrica, período que pesquiso e pelo qual sou apaixonado.
Hora de meretrizes:
Cotidianamente a cidade do Rio dos séculos 18 e 19 deveria dormir, no mais tardar, às 22h. Mulher na rua depois desse horário com certeza era meretriz. Os padres e bispos denunciavam o costume de algumas mulheres circularem na cidade depois desse horário. Cobrava-se das famílias maior controle sobre acabarem-se as festas e visitas familiares antes da hora marcada pelas posturas municipais. As autoridades proibiam os homens de chapéu e capote, os famosos encapuzados, de circularem durante à noite, para evitar romance proibido, atentado ou roubo. Por isso a população carioca ansiava pelas festas: da irmandade, dos dias santos, as comemorativas de datas vinculadas à família real, à chegada de uma autoridade civil, militar ou religiosa que viesse assumir seu posto na capitania do Rio. Ou autoridade estrangeira cujo navio aportasse na cidade e que merecesse homenagem. Normalmente eram três dias de festas e de iluminação. Todos eram convocados a iluminar suas casas, os oratórios (se os tinham) e o trecho da rua em frente. As fortificações, os prédios públicos e os navios aportados se engalanavam. As igrejas e os logradouros por que passariam as autoridades e a procissão deveriam ser enfeitados e profusamente iluminados por conta da irmandade, da ordem religiosa dona do templo, da Fazenda Real e da Câmara de Vereadores. Aliás, nesses dias festivos as autoridades recebiam a propina de velas e óleo de peixe para iluminarem suas casas e desfilarem orgulhosos, de vela à mão, nos cortejos. A cidade da luz era o momento de ocupação dos espaços públicos noite adentro. No final do século 18, o conde de Resende [vice-rei de 1790-1801] iniciou a implantação da rede de iluminação pública com lampião alimentado por óleo de baleia, nos logradouros circunvizinhos ao largo do Paço, atual praça Quinze. O povo gostou! Sob pressão popular e empresarial, os lampiões se espalharam por toda a cidade e por subúrbios cujos moradores tinham prestígio em meio ao poder imperial. Em 25 de março de 1854, os moradores assistiram embevecidos à inauguração, na rua do Ouvidor, da iluminação a gás da fábrica do grande empreendedor Irineu Evangelista de Sousa (futuro barão de Mauá).
Luz e modernidade:
A luminosidade intensa dos novos lampiões tornou-se sinônimo de modernidade, progresso e status. Os velhos lampiões a óleo foram sobrevivendo nas ruas da periferia do núcleo nobre da cidade e nos subúrbios. Exceção para São Cristóvão, moradia do imperador, cujo caminho de acesso e a Quinta da Boa Vista foram iluminados a gás. O novo combustível penetrou nas casas de gente abastada, que passou a exibir fogão e aquecedor a gás, novidade do viver nas metrópoles. Em 1881, o importante Campo de Santana foi iluminado, experimentalmente, com 16 postes com energia elétrica e lâmpadas de arco voltaico, criação do engenheiro russo Pavel Iablotchkov. O povo acorreu ao campo para conhecer a novidade, que tornou o lugar tão claro como o dia. Isso três anos após a primeira experiência feita em Londres.
Em 8 de outubro de 1892, foi a vez de o povo se extasiar com a circulação do primeiro bonde movido a eletricidade, correndo fagueiro da avenida Treze de Maio, no centro, ao largo do Machado, no Catete. Já o serviço de distribuição de energia elétrica na cidade do Rio começou oficialmente em 30 de julho de 1907. O Rio passou a ser considerado a "cidade luz" até a demanda crescer tanto que os apagões se tornaram constantes e serem motivo da marchinha carnavalesca "Vagalume", de Victor Simon e Fernando Martins, lançada com sucesso em 1954: "Rio de Janeiro/ cidade que me seduz/ de dia falta água/ de noite falta luz!".( NIREU CAVALCANTI é arquiteto, historiador e professor na Universidade Federal Fluminense, autor de "O Rio de Janeiro Setecentista)//.

Um comentário:

angela disse...

Delicia de texto.
abraços