O Haiti nas palavras de um literato cubano:
O Haiti serviu de inspiração para um importante romance de fins dos anos 40 do século 20, "O reino deste mundo", do escritor Alejo Carpentier. Conhecido mundialmente como aquele que cunhou o termo "realismo maravilhoso", o cubano é considerado um dos precursores do boom da literatura latino-americana, ocorrido nos anos 60 do século passado. Um movimento que abarcou autores de estilos diferentes, como Gabriel Garcia Marquez e Carlos Fuentes, mas que possuíam como marca de semelhança a preocupação com a experimentação formal e a construção de narrativas que lidassem com questões sobre a identidade latina, mediante tematizações sobre a história e a cultura hispano-americana. A construção de um projeto estético singular, por parte de Carpentier, iniciou-se em 1943, quando viajou de jipe por todo o Haiti e conheceu lugares ilustres, como o Palácio de Sans Souci, de Henri Cristophe. Diante desta ambiência, o autor cubano afirmou: "Que mais necessito eu para escrever um romance?". Foi no Haiti que Carpentier entrou em contato com aquilo que julgava ser um patrimônio de toda a América Latina: a realidade maravilhosa. Conforme anuncia no famoso prólogo de "O Reino deste mundo", o maravilhoso está nas datas históricas e na própria vida cotidiana dos homens do continente e serve de material para construção de grandes narrativas. O entrelaçamento entre história, política e narrativa literária está a serviço da tematização do imaginário americano, a partir da realidade maravilhosa que afirma existir no Haiti e que se torna pressuposto básico para a originalidade artística da América Latina. Nessas narrativas o insólito deixa de ser o outro lado e passa a incorporar-se ao real ao servir de símbolo distintivo da singularidade da América frente à Europa. Lançado em 1948, no México, o romance "O Reino deste mundo" trata de uma conjunção de fatos históricos e imaginados que tematizam os acontecimentos ocorridos após os conflitos da independência haitiana, entre 1794 e 1804. As experiências do escravo Ti Nöel permitem ao escritor cubano construir uma narrativa baseada em fatos extraordinários da monarquia de Henri Cristophe, ocorrida entre 1811 e 1820, a partir da inserção de mitos, da oralidade e da religiosidade, principalmente do vodu, nos fatos históricos. Um exemplo é o escravo Mackandal, que mesmo após ter sido morto pelos brancos, não abandona o "reino deste mundo", pois permanece existindo como espírito para os negros, apesar de fisicamente não existir mais para os brancos. Em outros trechos, quando, por exemplo, o escravo Ti Nöel encontra o palácio de Henri Cristophe, a mesma temática do maravilhoso reaparece. Todavia, ela serve a um motivo que se desvela somente no fim do livro. Na contraposição que faz entre os Reinos dos Céus e o mundo terreno, Carpentier lembra a todos nós que a beleza do humano está em sua própria miséria. Em sua capacidade de, "esmagado pelos sofrimentos e tarefas,... amar em meio às calamidades". Uma maneira de encontrar grandeza no "reino deste mundo"; uma mensagem tão precisa para os nossos dias e para o próprio Haiti destruído pela força da sua natureza. (Fonte:FOlha).
EDUARDO FELIPPE é doutorando em História Social pela USP e especialista na obra de Alejo Carpentier
O Haiti serviu de inspiração para um importante romance de fins dos anos 40 do século 20, "O reino deste mundo", do escritor Alejo Carpentier. Conhecido mundialmente como aquele que cunhou o termo "realismo maravilhoso", o cubano é considerado um dos precursores do boom da literatura latino-americana, ocorrido nos anos 60 do século passado. Um movimento que abarcou autores de estilos diferentes, como Gabriel Garcia Marquez e Carlos Fuentes, mas que possuíam como marca de semelhança a preocupação com a experimentação formal e a construção de narrativas que lidassem com questões sobre a identidade latina, mediante tematizações sobre a história e a cultura hispano-americana. A construção de um projeto estético singular, por parte de Carpentier, iniciou-se em 1943, quando viajou de jipe por todo o Haiti e conheceu lugares ilustres, como o Palácio de Sans Souci, de Henri Cristophe. Diante desta ambiência, o autor cubano afirmou: "Que mais necessito eu para escrever um romance?". Foi no Haiti que Carpentier entrou em contato com aquilo que julgava ser um patrimônio de toda a América Latina: a realidade maravilhosa. Conforme anuncia no famoso prólogo de "O Reino deste mundo", o maravilhoso está nas datas históricas e na própria vida cotidiana dos homens do continente e serve de material para construção de grandes narrativas. O entrelaçamento entre história, política e narrativa literária está a serviço da tematização do imaginário americano, a partir da realidade maravilhosa que afirma existir no Haiti e que se torna pressuposto básico para a originalidade artística da América Latina. Nessas narrativas o insólito deixa de ser o outro lado e passa a incorporar-se ao real ao servir de símbolo distintivo da singularidade da América frente à Europa. Lançado em 1948, no México, o romance "O Reino deste mundo" trata de uma conjunção de fatos históricos e imaginados que tematizam os acontecimentos ocorridos após os conflitos da independência haitiana, entre 1794 e 1804. As experiências do escravo Ti Nöel permitem ao escritor cubano construir uma narrativa baseada em fatos extraordinários da monarquia de Henri Cristophe, ocorrida entre 1811 e 1820, a partir da inserção de mitos, da oralidade e da religiosidade, principalmente do vodu, nos fatos históricos. Um exemplo é o escravo Mackandal, que mesmo após ter sido morto pelos brancos, não abandona o "reino deste mundo", pois permanece existindo como espírito para os negros, apesar de fisicamente não existir mais para os brancos. Em outros trechos, quando, por exemplo, o escravo Ti Nöel encontra o palácio de Henri Cristophe, a mesma temática do maravilhoso reaparece. Todavia, ela serve a um motivo que se desvela somente no fim do livro. Na contraposição que faz entre os Reinos dos Céus e o mundo terreno, Carpentier lembra a todos nós que a beleza do humano está em sua própria miséria. Em sua capacidade de, "esmagado pelos sofrimentos e tarefas,... amar em meio às calamidades". Uma maneira de encontrar grandeza no "reino deste mundo"; uma mensagem tão precisa para os nossos dias e para o próprio Haiti destruído pela força da sua natureza. (Fonte:FOlha).
EDUARDO FELIPPE é doutorando em História Social pela USP e especialista na obra de Alejo Carpentier
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